Acidentes com máquinas agrícolas podem gerar indenização por DPVAT
Acidentes com tratores podem gerar direito a indenização pelo Seguro DPVAT. Também, em alguns casos, com colheitadeiras e outras máquinas agrícolas. Isso desde que os veículos possam transitar legalmente por vias terrestres.
A definição sobre tipos, dimensões e peso dos veículos autorizados a circular constam em resoluções do Contran ("Conselho Nacional de Trânsito"). Isso porque o Código de Trânsito Brasileiro atribui ao órgão a competência para criar essas regras. E é pouco provável que os tribunais considerem inconstitucional esse ponto.
O QUE É O DPVAT
DPVAT é acrônimo usado para denominar o seguro para "danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre".
Seguro, por sua vez, consiste em contrato por meio do qual um segurador garante ao segurado um interesse legítimo no caso de ocorrência de um risco predeterminado.
Assim, trata-se de um fato jurídico que gera à seguradora o dever de indenizar, em determinado montante, pessoas que sofreram danos causados por veículos automotores. Possui a peculiaridade de ser legalmente obrigatório.
Sua cobertura engloba indenizações por morte, por invalidez permanente e por despesas de assistência médica e suplementares. Os valores são fixados em lei. E, para pagamento, requer-se apenas prova do acidente e do dano. Não há discussão sobre culpa.
DPVAT E TRATORES E MÁQUINAS AGRÍCOLAS
A discussão sobre a possibilidade de haver indenização pelo Seguro DPVAT em razão de acidente com tratores e máquinas agrícolas decorre do regramento infralegal (posição hierárquica inferior às leis). A lei determina que o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) discipline a questão. E, na resolução do CNSP, nada específico consta a respeito de tratores e máquinas agrícolas. Por isso há diversas negativas de pagamento de indenização.
Perceba-se, contudo, que a lei determina indenização por acidentes com veículos automotores. Conforme definição legal, automotor é "todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas [...]".
Como existe autorização para que tratores e determinadas máquinas agrícolas transitem por vias públicas, consistem eles em espécies do gênero "veículos automotores". Isso lhes garante enquadramento nos termos da lei do Seguro DPVAT. A omissão em ato normativo inferior, infralegal, não poderia restringir o benefício.
Saliente-se que o ponto fundamental consiste na possibilidade de transitar legalmente em vias públicas. Nem todos os veículos automotores possuem essa autorização.
CASOS ENVOLVENDO MÁQUINAS AGRÍCOLAS E INDENIZAÇÕES
Para tornar palpável a questão, veja-se alguns exemplos de decisões judiciais determinando pagamento de indenização pelo Seguro DPVAT em decorrência de acidentes com tratores e máquinas agrícolas:
(a) Ideia central: "[...] sinistros que envolvem veículos agrícolas passíveis de transitar pelas vias terrestres estão cobertos pelo DPVAT [...]";
(b) Trator: "[...] estava trafegando em trator agrícola, [...] com os solavancos, veio a escorregar e cair em cima da máquina e das lâminas, a causar esmagamento de sua perna esquerda e de 3 (três) dedos do pé direito, que foram posteriormente amputados [...]";
(c) Acidente com pulverizador: "[...] o autor abaixou o braço pulverizador do equipamento e a corda do lado direito enroscou, decepando o polegar da sua mão direita. [...] os sinistros que envolvem veículos agrícolas passíveis de transitar pelas vias terrestres estão cobertos pelo DPVAT";
(d) Rede elétrica e trator: [...] conduzia um trator agrícola e tinha como passageiro a vítima [...] que operava um equipamento pulverizador de defensivo agrícola. Durante as manobras o condutor do trator veio a encostar o equipamento na rede elétrica vindo a provocar choque elétrico na vítima, que caiu ao solo e uma das rodas do veículo passou sobre o seu corpo [...]";
(e) Equipamento parado: "[...] estava trabalhando, manejando o equipamento triturador de milho, quando do ocorrido acidente no dia [...] resultando [...] um dedo da sua mão direita [...] amputado [...]".
Por outro lado, não geram indenização pelo Seguro DPVAT:
(a) Quando não se consegue saber se a colheitadeira poderia ou não transitar em via pública: "[...] narra que teve a mão direita esmagada no ventilador que faz a pré-limpeza dos grãos da máquina colheitadeira [...]. É que não é qualquer infortúnio atinente a veículos automotores que enseja o direito ao recebimento do seguro obrigatório, mas somente as intercorrências que causem danos advindos funcionalmente de determinada atividade de transporte de pessoas ou cargas. […] No caso em julgamento, apesar de constar que se trata de acidente com colheitadeira, não há como aferir se a máquina em específico preenchia as condições mínimas para a circulação em via pública […]”;
(b) Trem: "[...] o trem, apesar de se autolocomover por motor, necessita da utilização de trilhos, o que obsta o direito ao seguro DPVAT [...]".
ACIDENTE DE TRABALHO E DPVAT
O fato de a situação causadora do dano configurar também acidente de trabalho não afasta a possibilidade de indenização pelo Seguro DPVAT. Esse entendimento está pacificado nos tribunais. Foi, há pouco tempo, objeto enunciado de tese jurídica em processo sob o rito dos recursos repetitivos julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.
SEGURO DPVAT É SEGURO?
A lei qualifica o DPVAT como "seguro obrigatório". Essa opção, adotada em 1966, persiste até hoje. Contudo, a classificação dos fatos jurídicos difundida a partir do Código Civil de 2002 infirma -- ou é infirmada -- por tal denominação.
Fato jurídico, em sentido amplo, consiste em todo acontecimento que tenha alguma relevância para o Direito. Pode ser a inflação, uma criança que pesca um peixe, um contrato de compra e veda, um crime etc.
Dentre as diversas categorias de fatos jurídicos, tem-se a dos atos jurídicos. Nela constam as condutas humanas voluntárias. Elas subdividem-se em lícitas e ilícitas. As lícitas, juridicamente adequadas ao ordenamento jurídico, subdividem-se em: negócios jurídicos e atos meramente lícitos.
Nos negócios jurídicos, onde usualmente são colocados os contratos, a autonomia de vontade é elemento essencial. As pessoas envolvidas decidem, em boa parte, fazer ou não algo e as consequências do ato.
Nos atos meramente lícitos, o papel da autonomia de vontade é menor. Decide-se realizar a conduta, mas a maior parte (ou a totalidade) das consequências decorre de lei. Aqui constam, por exemplo, a adoção e a emancipação voluntária.
Paralelamente aos atos jurídicos, existe a categoria dos atos-fatos jurídicos. Aqui, a conduta humana gera efeitos definidos por lei. Não há autonomia de vontade nos efeitos; somente na conduta.
Considerar que o "Seguro DPVAT" seja contrato altera parte importante do raciocínio jurídico atual.
Diversos caminhos podem solucionar a questão: (a) sustentar que o contrato é apenas ato jurídico lícito, podendo ser negócio ou ato meramente lícito; (b) sustentar que os "seguros obrigatórios" não são, de fato, contratos -- e que o seguro nem sempre é contrato, por conseguinte; (c) sustentar que a autonomia de vontade não é requisito do negócio jurídico (não consta no art. 104, CC/02); (d) sustentar que o "Seguro DPVAT" é um ato-fato jurídico; (e) outros.
A solução desse problema teórico gera várias implicações práticas.
Por último, do ponto de vista de quem paga, de quem é obrigado a contratar esse "seguro", ele parece ter natureza de tributo. Afinal, enquadra-se perfeitamente no conceito apresentado pelo Código Tributário Nacional: consiste em prestação pecuniária compulsória, prevista em lei, expressa em moeda, não decorrente de ato ilícito e cobrada mediante atividade administrativa vinculada.
CONCLUSÃO
Isso posto, ressalte-se que pode haver indenização pelo "Seguro DPVAT" em casos de acidentes envolvendo tratores ou máquinas agrícolas em geral. Deve-se, em cada caso, avaliar a possibilidade de o veículo automotor poder transitar legalmente em vias públicas.