Cabe usucapião de bens após o fim do casamento

Pode-se usucapir bens adquiridos durante casamento ou união estável e que não foram partilhados ao fim do relacionamento.
Cessada a sociedade conjugal, deixam de existir a presunção de patrimônio comum e de incidir a regra do art. 197, I, CC/02. A partir daquele momento, os bens adquiridos por cada parte a ela pertencem exclusivamente. E passa a correr prescrição entre os ex-cônjuges. Como resultado, torna-se possível adquirir propriedade do outro se preenchidos os requisitos para usucapião.
PROPRIEDADE EM COMUM
Casamento ou união estável podem implicar em patrimônio comum. A regra atual é a comunhão parcial de bens. Salvo exceções previstas em lei, aqueles adquiridos na constância de união pertencem aos dois em partes iguais.
Por vontade das partes, há outros regimes de bens possíveis nas uniões. Cabem comunhão universal e separação final nos aquestos. Na primeira, quase todos os bens serão comuns. Na segunda, durante a sociedade, os bens são individuais. No caso de dissolução, haverá partilha. Também podem as partes optar pela separação de bens. E, em alguns casos, existe separação de bens imposta por lei.
De qualquer modo, para fins do que se discute aqui, as diferenças são tênues. Vale ter em mente a possibilidade geral de usucapião após o término da união entre as partes.
O QUE É USUCAPIÃO
Usucapião consiste num meio de aquisição da propriedade. Cabe para bens móveis ou imóveis. E resulta do transcurso de um determinado tempo na posse do bem e de um agir como se dono fosse. Em casos especiais, existem critérios diversos; os dois citados são os tradicionais, básicos.
Lembre-se que posse e tempo eram os critérios estabelecidos para usucapião na Lei das XII Tábuas, considerada o primeiro corpo de leis escritas do Direito Romano (em torno de 450 a.C.).
Na dissolução do casamento ou da união estável, o transcurso de um lapso temporal em que uma das partes exerce posse do bem como se dona fosse resultará na aquisição da propriedade.
O ponto fundamental da questão é distinguir entre administração do bem e posse com ânimo de dono.
Quem administra algo o faz, mesmo em parte, em proveito alheio. Se o bem pertence a duas pessoas, aquele que por ele zela, atua também no interesse do outro proprietário. Esse agir pode até gerar obrigações para o outro proprietário. Percebe-se essa situação a partir da prestação de contas da gestão. Não há necessidade de formalidades. Mas deve ocorrer, ainda que esporadicamente, algum tipo de interação entre os proprietários relacionado ao bem. Saliente-se: fala-se em sentido genérico; não somente no aspecto pecuniário.
Ausente essa prestação de contas, difícil ver posse no caso. Se dois ex-cônjuges não partilham os bens. Apenas um loca-o a terceiro. Recebe alugueis. Guarda os valores para si. E não presta contas, caracterizada estará sua posse como se dono fosse.
Situação semelhante foi julgada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Concluíram os ministros existentes os requisitos para aquisição da propriedade por meio de usucapião. A ausência de prestação de contas e a apropriação de todos os frutos proporcionados pelo uso do bem embasaram a tese.
CURIOSIDADE SOBRE USUCAPIÃO
Usucapião também recebe o nome "prescrição aquisitiva". Isso em razão de um dos seus requisitos ser o transcurso do tempo associado à inércia do proprietário do bem.
É, em parte, o oposto da prescrição da ação civil. Nesta, a inércia da pessoa impede o regular prosseguimento da ação judicial. Se percebida pelo juiz no início da ação, caberá extinção com julgamento de mérito sem a citação da parte apontada como ré.
Na "prescrição aquisitiva", o passar do tempo atua em favor daquele que adquire a propriedade em razão da posse.