Legatária pode renunciar previamente ao legado?
A divulgação de manifestação da austríaca Marlene Engelhorn, potencialmente legatária de bens avaliados em bilhões de euros, gerou comoção em redes sociais e em veículos de imprensa. Ela é uma das lideranças de um grupo cujo objetivo é a melhoria da distribuição de renda, o “taxmenow”. Os bens constariam em testamento de sua avó, acionista da BASF.
Essa questão serve para relembrar alguns aspectos simples sobre sucessão de bens em razão de falecimento no Brasil. Aqui há duas formas básicas de transmissão de propriedade em razão de morte: testamento e legítima. Para não estender o assunto, fique-se no testamento.
Testamento é um ato de vontade personalíssimo com a finalidade de produzir efeitos após a morte. Somente a própria pessoa pode testar. Ele resulta da manifestação do testador, embora existam requisitos e consequências expressas em lei.
Simplificando a questão, o testamento pode ser feito por qualquer pessoa com 16 anos e pleno discernimento. Curiosamente, a incapacidade posterior não invalida o testamento. Por outro lado, a capacidade posterior não o torna válido.
Cabe legação de todos ou parte dos bens. Havendo herdeiros necessários, o testador somente pode dispor da metade do seu patrimônio. O restante é a eles atribuído pelo código civil (descendentes, ascendentes e cônjuge — ou companheiro).
Existem testamentos ordinários (público, cerrado e particular) e especiais (marítimo, aeronáutico e militar). Não há sentido em discorrer sobre eles num breve comentário sobre aspectos gerais.
Em termos de efeitos, legada coisa certa e parte do acervo de bens, pertencerá ao legatário o bem desde a morte do testador. Contudo, não pode o legatário assumir a posse imediatamente. Há um procedimento a ser seguido.
A questão fundamental pertinente à situação analisada consiste na revogação do testamento. Permite a lei que o testador mude suas disposições a qualquer tempo e por quantas vezes desejar. A alteração pode envolver todos os bens ou herdeiros; ou partes. Portanto, constar no testamento de alguém garante absolutamente nada antes da morte. E, obviamente, coisa nenhuma significa “renunciar” previamente a algo sobre o qual não se tem direito. Assim, pelo menos sob o ponto de vista da lei brasileira, manifestações como a da austríaca, somente servem para obter espaço em redes sociais e em alguns veículos de imprensa.
Por fim, há diversas causas que impedem a produção de efeitos dos testamentos. Duas são interessantes. Ambas possuem origem no antigo Direito Romano.
A primeira, com dois exemplos, a descoberta de descendente capaz de suceder ao testador; ou o nascimento de um herdeiro dos bens após a confecção do testamento. A lei condiciona essa possibilidade à sobrevivência do herdeiro ao testador. Mas há controvérsia.
A segunda, mais curiosa, denomina-se “condição captatória”. Trata-se de uma espécie de ajuste recíproco entre duas pessoas. Elas legariam uma a outra os bens em eventual caso de falecimento. Todavia, como no caso anterior, existem diversos entendimentos em contrário.