O que fazer quando a coisa não funciona
O comprador pode rescindir contrato de compra e venda quando o bem adquirido apresenta vícios ou defeitos que o tornem impróprio para o uso. Alternativamente, pode pedir redução no preço. Fala-se aqui de instituto jurídico denominado vício redibitório.
Diversos são os exemplos de sua aplicação. Os mais comuns parecem envolver caminhões, carros e motos. Mas também há muitos casos com tratores e máquinas agrícolas. E ordenhadeiras, máquinas de costura, fornos...
Pode-se invocar vícios redibitórios em contratos comutativos em geral. Comutativos são aqueles ajustes em que as partes estabelecem a equivalência entre o bem alienado e a quantidade de moeda dada em troca. Opõem-se aos contratos aleatórios. Aqui, certa somente a prestação de uma das partes. A da outra pode ou não ocorrer, como nos seguros.
O QUE SÃO VÍCIOS REDIBITÓRIOS
Vício redibitório é a falha ou defeito oculto que torna a coisa imprópria para o uso; ou que lhe diminua o valor. Um carro cujo motor apresente falhas não oferece a confiabilidade esperada. Manifesta, portanto, um vício capaz de torná-lo imprestável. Por outro lado, o valor de um veículo reduz-se em razão de dano sério na pintura.
Constatado o vício, o alienante deve restituir o valor da coisa, mais despesas de contrato. E recebe o bem. Contudo, se conhecia o problema e não alertou o comprador, será também responsável pelo pagamento de perdas e danos.
O comprador pode optar por manter a coisa e pedir abatimento do preço.
Existe prazo regulando o ressarcimento. Quando o vício somente puder ser constatado depois do negócio, contam-se 180 dias para bens móveis. E um ano para imóveis.
Verificado o vício, eventual pedido contra o vendedor deve ser apresentado em 30 dias se a coisa for móvel; e em um ano se imóvel.
Sim, é confuso! Os primeiros prazos regulam o tempo em que o vício deve ser constatado. Os segundos, o ajuizamento de ação judicial.
Eventual cláusula contratual de garantia impede o transcurso dos prazos acima citados. Eles correm a partir daí. Todavia, descobertos os vícios durante a garantia, deve o comprador comunicar ao alienante em 30 dias.
VENDA DE BEM COM VÍCIO
Há meios de o vendedor se resguardar de futuras reclamações. Em instrumento de contrato, pode-se estabelecer cláusula em que o comprador exonera o vendedor de responsabilidade. Cabe em razão de vício certo (estado dos faróis de um carro) ou incerto (funcionamento em geral). Pode ou não afastar danos emergentes, lucros cessantes, danos morais e outros.
No caso de defeito conhecido, supõe-se que o estado do bem esteja refletido no preço ajustado entre as partes. Afinal, o comprador sabia da situação da coisa. Diversas decisões envolvendo veículos usados atribuem ao adquirente o ônus de minimamente examinar o bem. Ou de submetê-lo a avaliação de especialista. Isso porque é natural que um carro usado sofra desgastes.
Certa vez, pessoa adquiriu veículo que rodara cinco anos em serviço de táxi. Tentou obter indenização por vício redibitório. Sem sucesso. O tribunal entendeu que os "defeitos reclamados não ultrapassam aqueles que razoavelmente se espera de um veículo usado".
Por outro lado, defeitos incertos causam mais problemas aos vendedores. Porque se espera adequado funcionamento por algum tempo. Aparecendo algo inesperado dentro dos prazos legais, possível entender que cabe ao alienante arcar com suas consequências. Afasta-se essa ideia por meio de ajuste escrito, conforme explicado acima. Importante deixar clara a exoneração por vício desconhecido. E, se for o caso, a renúncia à redibição do contrato. Perceba-se serem situações potencialmente distintas: redibição é uma coisa; indenização em razão de dano, outra.
Entenda-se por meio de exemplo: agricultor adquire ordenhadeira mecânica. Com poucas semanas de uso, o bem deixa de funcionar. A redibição consiste na devolução da coisa e no recebimento do valor pago (corrigido). A indenização pode resultar da necessidade de aluguel ou compra de equipamento substitutivo; de perdas na produção de leite; de eventuais males causados aos animais etc.
HISTÓRICO E COMPARAÇÃO
Ações em razão de vícios redibitórios existem, pelo menos, desde o Século III a.C. Foram criadas por magistrados ("edis curuis") para reprimir fraudes perpetradas por vendedores contra compradores de escravos ou animais (somente os "iumenta", inicialmente). Em síntese, cabia aos vendedores tornar públicos os vícios de suas mercadorias.
Atualmente, há previsão de vícios redibitórios, por exemplo, no Código Civil da Louisiana (Estados Unidos). Veja-se no original:
Art. 2520. Warranty against redhibitory defects
The seller warrants the buyer against redhibitory defects, or vices, in the thing sold.
A defect is redhibitory when it renders the thing useless, or its use so inconvenient that it must be presumed that a buyer would not have bought the thing had he known of the defect. The existence of such a defect gives a buyer the right to obtain rescission of the sale.
A defect is redhibitory also when, without rendering the thing totally useless, it diminishes its usefulness or its value so that it must be presumed that a buyer would still have bought it but for a lesser price. The existence of such a defect limits the right of a buyer to a reduction of the price.
VÍCIOS REDIBITÓRIOS NO JUDICIÁRIO
Por fim, a título meramente ilustrativo, alguns casos envolvendo vícios redibitórios analisados por tribunais:
(a) Imóvel: "[...] o saneamento de vício redibitório limitador do uso, gozo e fruição da área de terraço na cobertura de imóvel [...] afasta o pleito de abatimento do preço [...]";
(b) Veículo: "[...] tratando-se de compra e venda de veículo usado, constatados defeitos, cumpria ao cliente consumidor, antes de providenciar conserto junto a terceiros, submeter o bem a exame perante a vendedora. Não o fazendo, não se lhe afigura lícita a apresentação a esta de nota de despesa, porquanto lhe foi suprimida a etapa destinada a averiguação do problema e estudos para sua solução [...]";
(c) Notebook: "[...] insuficiência da prova a cargo do consumidor. Alegado defeito na placa mãe do notebook adquirido junto à ré após mais de sete anos de uso do equipamento [...]";
(d) Imóvel: "[...] litigantes que celebraram permuta de imóveis por meio de contratos de cessão de direitos e transferência de posse. Imóvel que coube ao autor acometido com alagamentos substanciais e sucessivos nos períodos de chuvas, circunstância omitida pelo requerido quando da celebração do negócio. Inviabilidade da rescisão do negócio ou abatimento do preço por vício redibitório, pois extrapolado o prazo decadencial anual pelo requerente [...]";
(e) Veículo: "[...] vício oculto. Inaplicabilidade do art. 445, § 1º do CC que trata de vício redibitório. Problemas no motor. Desgaste natural [...]";
(f) Veículo: "[...] adquirido com aproximadamente 10 anos de uso e mais de 130.000 km rodados, com valor inferior ao de mercado, por ser de repasse, sem submissão à vistoria prévia de mecânico pela parte autora, o que se fazia ainda mais necessário em razão da condição do bem. Conjunto probatório que não permite concluir que os defeitos alegados pela parte autora constituem vício redibitório [...]";
(g) Máquina de costura industrial: "[...] Produto usado. Negócio entre particulares. Ausente relação de consumo, mas subsistente relação de direito civil. Vício redibitório constatado. Inutilização para o fim a que se destina. Comunicação tempestiva ao vendedor. Ciência inequívoca do custo do reparo. Rejeição da coisa. Regramento do código civil. Desfazimento do negócio, mediante devolução do valor pago [...]";
(h) Forno elétrico industrial: "[...] vício oculto demonstrado. Dificuldade para a realização do conserto com o fabricante. Rescisão do negócio. Devolução do valor pago [...]".
CONCLUSÃO
Portanto, cabe rescisão de contrato em situações nas quais constatada a inutilidade do bem para a função esperada. Ou abatimento de preço. Tudo desde que o pedido seja apresentado no prazo legal e que não tenha havido cláusula exonerativa no contrato.