Empresa incorporada pode deixar de responder por crime
O fim da personalidade de uma pessoa jurídica pode gerar a extinção de sua punibilidade. Isso em decorrência da aplicação do disposto no art. 107, I, do Código Penal (CP). Havia discussão sobre a possibilidade de o dispositivo ser aplicado a pessoas jurídicas. Todavia, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou essa posição recentemente.
A análise ocorreu em caso no qual se discutia sucessão de empresa incorporada por incorporadora em ação penal. O crime em questão era causar poluição em níveis capazes de causar danos à saúde humana, morte de animais ou prejuízos à flora (art. 54, Lei 9.605/98).
Dois argumentos predominaram: a intrancendência das sanções penais e ausência de obrigação no caso.
INTRANCENDÊNCIA DAS SANÇÕES PENAIS
A Constituição Federal prevê que nenhuma pena pode ultrapassar a pessoa condenada. E que as obrigações de reparar danos podem ser executadas contra os sucessores, nos limites dos valores herdados.
Esse dispositivo foi imaginado para pessoas naturais. A ideia afasta a responsabilidade penal por atos de outrem. Parece curioso, mas por muito tempo pessoas suportaram punições por atos alheios. Por exemplo, em 61 d.c., o Senado de Roma condenou à morte 400 escravos de um senhor porque um deles matara o dono.
A intranscendência das sanções penais para pessoas jurídicas requer análise aprofundada. Sua aplicação depende do caso. Os ministros do STJ manifestaram apoio ao afastamento da transmissão no caso de ação penal não iniciada ou em tramitação.
Todavia, se houve trânsito em julgado da decisão, o caminho será outro. Findo o processo penal sem possibilidade de recursos, a condenação imposta à pessoa jurídica fará parte de seu patrimônio. Apreciável economicamente, incidirá a regra da transcendência nos termos gerais da lei.
OBRIGAÇÕES CIVIS E PENAIS
Outro argumento utilizado foi a natureza das obrigações. Juridicamente, a obrigação consiste em vínculo entre pessoas para o adimplemento de uma ou mais prestações quantificáveis economicamente. Tradicionalmente, fala-se em obrigações de dar, de fazer ou de não fazer.
Mas essa ideia, conforme entendimento dos ministros no julgamento, não se aplica integralmente ao Direito Penal. Pode-se apontar diversos motivos. Por exemplo, o fato de a maioria dos processos penais discutir direitos indisponíveis. A suposta vítima do crime não possui qualquer poder sobre o início ou destino da ação penal; ou da execução das penas (em regra). Da mesma forma, a confissão do crime não implica necessariamente em condenação do réu. Nem, condenado, pode ele optar por pena mais grave do que a determinada na sentença. E mesmo quando ocorrem negociações no processo penal, cabe ao juiz definir resultados.
Saliente-se que, no caso de condenação penal de pessoa jurídica, a sanção será necessariamente uma obrigação de dar, de fazer ou de não fazer (arts. 21 a 23, Lei 9.605/98). Isso por causa: (a) de expressa disposição legal; (b) da impossibilidade lógica de pena corporal a entes não corpóreos. Mas aqui se está em outros momentos processuais, o da imposição e da execução da pena.
EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E PENA
A forma de extinção da pessoa jurídica e o momento de sua ocorrência determinam a consequência em termos de transcendência de sanções penais.
O caso aqui apresentado envolveu incorporação. Prevista no art. 1.116 do Código Civil (CC/02), consiste na absorção de uma pessoa jurídica por outra. A sucessora responde por todas as obrigações da sucedida.
Todavia, como não houve trânsito em julgado de sentença penal, desaparece a possibilidade de transferir à sucessora a condição de ré no processo penal.
Por outro lado, a situação mudaria no caso de haver sentença penal transitada em julgado antes da incorporação. Porque aí se teriam obrigações certas, apreciáveis economicamente e já constituídas.