STJ valida alocação de riscos em contrato empresarial

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou válida cláusula contratual prevendo o não pagamento de parte de serviços prestados no caso de rescisão de contrato. A conclusão pode soar estranha. Mas nem por isso é ilegal. E representa entendimento favorável à segurança dos negócios, pois privilegiou o acertado entre as partes.
O CASO ANALISADO
A situação descrita envolveu duas pessoas jurídicas privadas e um município. O ente público contratou a pessoa "A" para gerenciar um hospital. Por sua vez, "A" contratou com "B" a prestação de determinados serviços. Uma das cláusulas do segundo contrato afastava o dever de "A" pagar a "B" os serviços prestados, ou indenizá-la, no caso de o município resilir o contrato celebrado com "A".
Certo dia o município notificou "A" e resiliu o contrato em três dias. Por sua vez, "A" fez o mesmo em relação a "B". Passados alguns dias, "B" ajuizou ação contra "A" pedindo condenação ao pagamento de valor referente a 10 dias de serviços prestados. "A" defendeu-se com base na mencionada cláusula contratual.
ASPECTOS JURÍDICOS
A celebração de contratos envolve liberdade de contratar e liberdade contratual. São figuras não devidamente claras na lei. Geralmente, seu entendimento resulta do que se imagina ser a jurisprudência e a doutrina preponderantes.
Liberdade de contratar seria o direito subjetivo optar por realizar ou não um negócio. Ao escolher entre comprar ou não um lápis, está-se exercendo a liberdade de contratar.
Por outro lado, liberdade contratual consistiria na possibilidade de discutir e negociar as cláusulas de um contrato. Na situação do lápis, haveria liberdade contratual se fosse discutido e acertado o dia do pagamento ou o valor, por exemplo.
Essa distinção foi construída a partir do maior uso dos contratos por adesão. Nesse tipo de contratação, uma das partes não tem o poder de alterar cláusulas. Somente pode optar por contratar (aderir) ou não. O contrato de fornecimento de energia elétrica é exemplo dessa modalidade. A pessoa pode apenas contratar ou não. Se o fizer, os termos serão aqueles constantes na minuta padrão apresentada pelo fornecedor.
A diferença importa, por exemplo, porque a lei prevê que cláusulas ambíguas ou contraditórias serão interpretadas favoravelmente ao aderente (quem não pôde discutir os termos). Essa disposição, obviamente, não se aplica aos contratos paritários (aqueles em que há liberdade contratual).
FUNDAMENTOS NO CASO CONCRETO
O contrato entre "A" e "B" era paritário. Presume-se essa qualificação, salvo quando envolver relações de consumo e contratos administrativos.
A pretensão de "B" baseou-se em dois pontos: (a) imposição de cláusula que sujeitaria o negócio ao puro arbítrio de uma das partes e (b) violação aos princípios da probidade e da boa-fé objetiva do contrato.
Esses argumentos foram rechaçados.
O primeiro ponto não prevaleceu porque o puro arbítrio ocorre quando alguém decide algo sem uma razão além da própria vontade. A cláusula em discussão previa o não pagamento em razão de ato de terceiro, do município. "A" não tinha qualquer poder sobre a decisão administrativa. De certa forma, poder-se-ia dizer que fora tão "vítima" quando "B".
O segundo ponto foi afastado por motivos mais complexos. Entenderam os julgadores que em contratos empresariais a autonomia de vontade deve receber maior valor do que em outros setores. Assim, a liberdade que as partes tinham para ajustar os termos do acordo impediria que se reconhecesse afronta à boa-fé ou à probidade.
SOBRE A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA
Vale apontar que a Lei 13.874/19, a "Lei da Liberdade Econômica", modificou e inseriu dispositivos no Código Civil. Um deles prevê a presunção de paridade e simetria entre os contratantes. A liberdade contratual torna-se presumida. Para afastá-la, cabe ao interessado apresentar elementos fáticos capazes de infirmar a presunção legal.
Outros pontos importantes são a possibilidade de as partes estabelecerem parâmetros para interpretação das cláusulas contratuais, bem como pressupostos para revisão e resolução dos ajustes.
Também merece atenção a determinação de respeito à alocação de riscos estabelecida. Esse substantivo refere-se à previsão de qual das partes suportará determinados revezes. No caso acima descrito, a cláusula de não pagamento é exemplo de alocação de riscos. A pessoa jurídica "B" assumiu o risco de não receber pelo serviço prestado em determinado período caso o município rescindisse o contrato com a "A".
Além disso, a lei determinou a excepcionalidade e a limitação de revisões contratuais. Dessa forma, caso o Judiciário interfira nos ajustes, caber-lhe-á maior ônus argumentativo para sustentar suas decisões.
CONCLUSÃO
O caso descrito pode ser um dos marcos na mudança de atuação do Judiciário Brasileiro. Usualmente, há grande intervenção e alterações contratuais, o que implica em imprevisibilidade e aumento de riscos para a atividade econômica.
Confirmando-se a expectativa, caberá aos contratantes maior atenção aos ajustes. Porque o contratado poderá ser exigido futuramente.